Senhoras e senhores, respeitável público. Do outro lado do Atlântico, finalmente, depois de 3 semanas de ausência, cá estou eu. Aos que mandaram emails durante esse período só para dar um oi ou perguntar como iam as coisas o meu muito, muito obrigada. Foi muito bom encontrar nomes amigos na caixa postal.
O vôo foi tranqüilo, vim sozinha na fileira, o que foi ótimo, pois deu para esticar as pernas. Vi um nascer do sol magnífico e somente a silhueta negra de Lisboa lá embaixo, pois não havia luz suficiente ainda.
Saí do aeroporto com sol, céu azul, azul e 13 graus. Melhor impossível.
O vôo saiu com atraso do Brasil. Em SP, na fila de embarque, bem na minha frente, duas garotas de programa brasileiras indo “fazer a vida em Lisboa”. Uma de minissaia e sandália de tirinhas enrolada na perna, a outra com um jeans tão apertado que só um peeling cirúrgico para remover aquilo. Nas mãos de uma delas, um papelzinho com uma caligrafia de semi-analfabeta dizia: Felipe, 1,78m, cabelos pretos, olhos castanhos, e um número de celular. Era tudo o que as duas sabiam do gigolô que iria buscá-las no aeroporto. Nenhuma sabia que a moeda de Portugal é o Euro, uma delas tinha mil reais na bolsa e a outra
disse espantada: “Tudo isso? Nossa você vai fazer a festa lá...” Triste. Triste. Triste.
Atrás de mim, uma menina de uns 18 anos, nervosa, nervosa, contou que ficou órfã, pois perdeu os pais num acidente de carro há 8 meses e, como não tem mais nenhum parente no Brasil resolveu ir atrás da família do pai, que só conhece por cartas. A família do pai, completamente disposta a recebê-la, mandou inclusive uma carta para apresentação na imigração. Não a vi no avião, mas na chegada pude ver que ela estava sendo barrada no guichê de não-europeus por um oficial bigodudo. Não sei o que aconteceu com ela.
Momento Estou voando pela Tap
Passageiro brasileiro procurando a fila G pergunta ao comissário “onde fica a fila jê” e este, com o cenho franzido, pega o cartão de embarque, lê e diz: “Ah! Fila “Guê”.
Meu primeiro contato com Portugal foi com uma policial feminina (se bem que feminina aqui é mera força de expressão, que a mulher era um homem com aquele bigodão), tremendamente mal encarada que me parou no corredor de saída do aeroporto com ares ameaçadores perguntando “na mala, traz o quê?” mas isso num sotaque tão enrolado que teve que repetir 4 vezes e me liberou por puro cansaço eu acho, dizendo rispidamente “passe, passe”. Pior sorte teve a senhora portuguesa atrás de mim, com a netinha de 7 anos e suas 8 malas tamanho Super Jumbo que foram apreendidas pela bigoduda para averiguação.
Desde o dia 07 estou no apartamento. Quem recebeu o endereço deve ter estranhado o "R/c". Explico, R/c significa “rês do chão” ou seja, o nosso bom e velho térreo. O Drt. significa que é o apartamento do lado direito. Aqui é assim. No primeiro andar ficam os apartamentos 1º direito, 1º esquerdo e 1º frente.Vá entender...
É um apartamento bastante simpático apesar de muito mal conservado. A planta é um pouco incomum.
Mas há até um pequeno pátio nos fundos que será mais aproveitável assim que me livrar das velharias deixadas lá atrás pelo antigo inquilino. Tenho até uma ameixeira e uma árvore desconhecida que quando cheguei havia sido recém podada e desde então tem crescido muito.
Tenho um quarto de hóspedes com uma cama de solteiro bastante confortável (já dormi nela), portanto, comunico que há vagas na pensão. Façam suas reservas. A estadia é gratuita, e o pagamento é o prazer da companhia. O verão europeu está chegando e eu sei que o dólar está baixando aí... Já não há vagas para o período de 5 a 15 de julho.
Meu bairro: Estou em Campolide, um bairro completamente familiar, que lembra muito a Lapa no que diz respeito aos moradores. A maioria acima dos 70. É um lugar simpático, absolutamente lisboeta, cujo único defeito é não possuir uma estação de metrô por perto. Mas eu ando somente 10 minutos, atravessando o lindo Parque Eduardo VII e chego à estação de metrô Marquês de Pombal.
Minha rua é uma ladeirona estreita e eu, felizmente, estou quase no topo. Olhando rapidamente parece uma mistura entre o Largo da Carioca no Rio de Janeiro e Ouro Preto. Mas a grande diferença é que quando saio do prédio, tenho o prazer de ver, lá embaixo, no fim da rua, um pedaço do Parque Florestal de Monsanto e um arco do Aqueduto das Águas Livres que é um monumento nacional e que é completamente ignorado pelos moradores da minha rua. Eu sempre fico maravilhada ao sair de casa e ver aquele arco de
pedra lá embaixo.
Momento História de Portugal
Aqueduto das Águas Livres: inaugurado em 1748, construído por D.João V, atravessando o vale de Alcântara. Foi considerado o local mais bonito de Lisboa no início do século. São 35 arcos, o mais alto com 65 metros de altura. A passagem ao longo do aqueduto está fechada desde 1835 por causa de um ladrão chamado Diogo Alves que jogava suas vítimas de lá de cima (ainda não entendi porque diabos o homem se dava ao trabalho de subir tudo aquilo para matar as pessoas). Mas parece que há uma visita guiada e eu pretendo ir lá xeretear qualquer hora dessas.
Meu prédio tem fachada de azulejos e logo no primeiro dia experimentei a mistura da gentileza portuguesa com a tagarelice da velhinha que mora no primeiro andar. Já sei que ela levou um tombo feio e que agora “sofre com dores terríveis” (com direito a uma pausa dramática para inserção do som do fado ao fundo), mas emprestou a chave dela para a porta de entrada – a senhoria me deu a cópia errada - para levar para copiar no chaveiro, colocou-se à disposição para “o que a menina precisar” e foi realmente muito gentil.
Na minha rua estão duas lojas de meias e lingerie, 2 peixarias (uma delas chama-se A Bela de Campolide e ontem cedo a promoção do dia eram “caras de bacalhau”), 2 açougues, uma quitanda de frutas, 3 mini-mercados, uma farmácia, uma loja de lãs e linhas, uma retrosaria, 3 pastelarias (sendo uma na porta ao lado da do prédio e eu passo na frente de olhos fechados), 2 cafés (um bem na frente de casa, ver foto), uma funerária (felizmente fica no quarteirão de baixo), uma loja de roupas de cama, mesa e banho, uma lojinha de roupas coreana igual às da Liberdade, uma joalheria cujo dono fica o dia inteiro na porta conversando aos berros com a dona do mercadinho do outro lado da rua, um salão de beleza e ainda
tem mais coisas mas ainda não anotei tudo.
Falando em mercadinho. Os pães são uma delícia. Não preciso nem falar do azeite de oliva. E estou prestes a abandonar meu estilo de alimentação vegetariano por causa dos presuntos que me olham no supermercado. Na primeira semana no apartamento estava sem gás (leia-se banhos frios e nada de fogão) e andei me alimentando de pão, azeite de oliva, queijo de cabra e frutas. Não é muito diet eu sei mas não é nada chato... Ainda não comi bacalhau, nem pastéis de nata... calma que eu chego lá...
Como estou em um bairro pequeno, percebo que as pessoas me olham com uma certa curiosidade por causa das roupas e do modo de andar. Parece cidade do interior, todo mundo sabe que eu sou a nova moradora da rua, mas como não falei com quase ninguém não há muitas informações a meu respeito. Causei alvoroço na quitanda quando perceberam que sou brasileira. Mas ganhei “adeusinhos” no caixa (risos). Acho uma graça essa mania dos diminutivos deles. Tudo é no diminutivo. Obrigadinho, minutinho, bocadinho, instantinho, etc.
Aliás, preciso dizer que até agora todos foram muito gentis comigo, mesmo com o sotaque brasileiro. Confesso que estava um pouco receosa de ser mal recebida, mas até agora tudo correu muito bem.
Ainda não vi muito de Lisboa, pois passei as duas primeiras semanas tratando de detalhes burocráticos e fiquei pelo meu bairro mesmo. Foi um tal de andar para cima e para baixo para conseguir celular, telefone fixo, água quente, gás de cozinha, conta no banco e imaginem, tive que tirar um número de contribuinte, o equivalente do nosso CPF. Tenho um CPF português pode isso? A funcionária da Receita que me atendeu estava de partida para o Brasil no dia seguinte (Natal e Bahia) e travamos animada conversa sobre caipirinhas, casquinha de siri e comida baiana.
Até agora Lisboa pareceu ser uma cidade habitada por 85% de velhinhas e velhinhos. Todas as velhinhas são parecidíssimas. É como se todas entrassem numa maquininha e saíssem com o mesmo cabelinho, roupas conservadoras e perninhas grossas. Vi poucos jovens, mas alguns dos jovens rapazes portugueses parecem saídos de um filme muito ruim que mistura Grease com algum filme mexicano. Calças jeans muito, mas MUITO, justas, camisa ou camiseta em cores espalhafatosas, óculos de sol modernosos à la Bono e gel nos cabelos pretos. Vi várias adolescentes vestidas de negro dos pés à cabeça, com saias longas arrastando no chão. Não sei se são góticas, não sei se são candidatas a fadistas mas é muito
esquisito. Parecem todas com a Mortícia Adams. Na verdade, homens e mulheres, todos usam muito preto. Chega a dar nervoso. Só preto. As mulheres usam pouca maquiagem e, às vezes, uma echarpe mais colorida como cinza. Se não for preto são tons escuros. Cinza chumbo, marrom, azul marinho... Algumas portuguesas tingem o cabelo de loiro e, sinceramente, ficam ridículas. Mas o visual geral é bastante conservador e sisudo. Dá para reconhecer um estrangeiro (brasileiro ou não) de longe.
Uma coisa chama a atenção. A gentileza das pessoas. Principalmente dos homens. Há um cavalheirismo à moda antiga que é uma graça. As mulheres (jovens ou idosas) parecem sempre muito mal humoradas. Todas são muito sérias, andam pisando duro e são muito menos simpáticas que os homens, mas nunca grossas. Ainda não vi nenhuma portuguesa de cair o queixo. Mas já vi vários homens muito bonitos. Pode-se dizer que no geral, os homens são mais bonitos que as mulheres. Aliás os homens dividem-se em 3 grupos: os charmosíssimos (mas tímidos), os baixinhos com cara de dono de padaria emburrado e os com ares de garanhão latino com direito a correntes de ouro no pescoço (esses são de chorar de rir, lembram do Stallone em Rocky? Pior...)
A agência onde abri minha conta bancária fica dentro do Shopping das Amoreiras, uma monstruosidade modernosa, com torres feias demais. Mas tem de tudo lá dentro inclusive 10 salas de cinema, mas ainda não deu tempo nem de ver o que está passando. A propósito, meu banco chama-se Banco Espírito Santo (pode algum nome ser mais português do que isso?), mas é mais conhecido pela abreviação BES.
Momento Portugal Moderno
Quem fez o projeto do Amoreiras foi um arquiteto famoso, chamado Taveira, uma espécie de Rui Otake deles, que ficou muito mais famoso depois que vieram a público umas fitas de vídeo mostrando a predileção dele por filmar-se fazendo sexo anal com as alunas dele da universidade, de modo violento. Desde então “uma taveirada” em português daqui significa a nossa “enrabada” e parece que o cavalheiro em questão perdeu um pouco da clientela depois disso, mas continua famoso.
Todo mundo, mas todo mundo mesmo, anda pelas ruas falando com um celular pendurado na orelha. Menos os velhinhos e as velhinhas claro.
Os cafés e as pastelarias vivem cheios. Quase sempre só com homens. Todos fumando. Depois ninguém sabe porque Portugal é o país europeu recordista de câncer de laringe.
O trânsito é brasileiro. Todos buzinam, fecham uns aos outros, ninguém usa seta, quando usam vão para o lado contrário do indicado, ninguém respeita o limite de velocidade... Mas param para os pedestres
atravessarem a rua (mas nem sempre, portanto uso de muita cautela). Os ônibus são confortáveis, param bem na guia e os degraus são baixinhos... Mas os motoristas são carrancudos e metem medo.
Momento Estou em Portugal
Diálogo com o homem do gás (Seu Cardoso, um homem simpaticíssimo) enquanto ele instalava o botijão (“botija”) de gás, na cozinha.
“- A menina é brasileira?”
“-Sou”
“-Já tem emprego?”
“-Já”
“-É secretária?”
“-Não. Tradutora.”
(pausa dele)
“-De idiomas?”
Momento Que Língua é Essa?
Não se toma uma média, toma-se um galão (e o café com leite vem num copo)
Não se pede um expresso, pede-se uma bica (em Lisboa, no Porto é um cimbalino)
Não é um telefone celular, mas sim um telemóvel. Um ônibus é um autocarro, um bonde é um elétrico.
Escreve-se pizza, mas fala-se “pisa”
Ao dizerem o número 6 não podemos dizer “meia” que eles acham que é o cinco. Tem que ser seis (carregando no s final, seishhhh)
Momento Brasil em Portugal
Vai estrear Mulheres Apaixonadas no final do mês. Como não tenho TV não faz diferença alguma para mim. Vende Caras e Veja nas bancas. Na Praça Marquês de Pombal há uma agência gigantesca do Banco do Brasil e uma da Varig. No Shopping das Amoreiras tem supermercado Pão de Açúcar/Jumbo, Casa do Pão de Queijo (comi um mas não é a mesma coisa não, acho que ou não sabem assar direito ou acrescenta-se algum conservante para a viagem até aqui), Amor aos Pedaços, Café do Ponto e O Boticário, além de duas churrascarias e um restaurante por quilo na praça de alimentação.
Bom gente, é isso aí. As fotos que tirei até agora vão ser colocadas num álbum na Internet assim que tiver a conexão ADSL. Até o final do mês devo ter uma conexão tipo Speedy instalada.
Mandem notícias, escrevam, escrevam.
Beijos