O fim do trema está decretado desde dezembro do ano passado. Os dois pontos que ficam em cima da letra u sobrevivem no corredor da morte à espera de seus algozes. Enquanto isso, continuam fazendo dos desatentos suas vítimas, que se esquecem de colocá-los em palavras como freqüente e lingüiça e, assim, perdem pontos em provas e concursos.
O Brasil começa a se preparar para a mudança ortográfica
que, além do trema, acaba com os acentos de vôo, lêem, heróico e muitos outros.
A nova ortografia também altera as regras do hífen e incorpora ao alfabeto as
letras k, w e y (veja quadro). As alterações foram discutidas entre os oito países
que usam a língua portuguesa -uma população estimada hoje em 230 milhões- e têm
como objetivo aproximar essas culturas.
Não há um dia marcado para que as mudanças ocorram
- especialistas estimam que seja necessário um período de dois anos para a
sociedade se acostumar. Mas a previsão é que a modificação comece em 2008.
O Ministério da Educação prepara a próxima licitação dos
livros didáticos, que deve ocorrer em dezembro, pedindo a nova ortografia.
"Esse edital, para os livros que serão usados em 2009, deve ser fechado
com as novas regras", afirma o assessor especial do MEC, Carlos Alberto
Xavier.
É pela sala de aula que a mudança deve mesmo começar, afirma
o embaixador Lauro Moreira, representante brasileiro na CPLP (Comissão de Países
de Língua Portuguesa). "Não tenho dúvida de que, quando a nova ortografia
chegar às escolas, toda a sociedade se adequará. Levará um tempo para que as
pessoas se acostumem com a nova grafia, como ocorreu com a reforma ortográfica
de 1971, mas ela entrará em vigor aos poucos."
Tecnicamente, diz Moreira, a nova ortografia já poderia
estar em vigor desde o início do ano. Isso porque a CPLP definiu que, quando três
países ratificassem o acordo, ele já poderia ser vigorar. O Brasil ratificou em
2004. Cabo Verde, em fevereiro de 2006, e São Tomé e Príncipe, em dezembro.
António Ilharco, assessor da CPLP, lembra que é preciso um
processo de convergência para que a grafia atual se unifique com a nova.
"Não se pode esperar resultados imediatos."
A nova ortografia deveria começar, também, nos outros cinco
países que falam português (Portugal, Angola, Guiné-Bissau, Moçambique e Timor
Leste). Mas eles ainda não ratificaram o acordo.
"O problema é Portugal, que está hesitante. Do jeito
que está, o Brasil fica um pouco sozinho nessa história. A ortografia se torna
mais simples, mas não cumpre o objetivo inicial de padronizar a língua",
diz Moreira.
"Hoje, é preciso redigir dois documentos nas entidades
internacionais: com a grafia de Portugal e do Brasil. Não faz sentido",
afirma o presidente da Academia Brasileira de Letras, Marcos Vilaça.
Para ele, Portugal não tem motivos para a resistência.
"Fala-se de uma pressão das editoras, que não querem mudar seus arquivos,
e de um conservadorismo lingüístico. Isso não é desculpa", afirma.
O que muda
Entre 0,5% e 2% do vocabulário brasileiro será alterado com
as mudanças
HÍFEN
Não se usará mais:
1. quando o segundo elemento começa com s ou r, devendo
estas consoantes ser duplicadas, como em "antirreligioso",
"antissemita", "contrarregra", "infrassom". Exceção:
será mantido o hífen quando os prefixos terminam com r -ou seja,
"hiper-", "inter-" e "super-"- como em
"hiper-requintado", "inter-resistente" e "super-revista"
2. quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento
começa com uma vogal diferente. Exemplos: "extraescolar",
"aeroespacial", "autoestrada"
TREMA
Deixará de existir, a não ser em nomes próprios e seus
derivados
ACENTO DIFERENCIAL
Não se usará mais para diferenciar:
1. "pára" (flexão do verbo parar) de
"para" (preposição)
2. "péla" (flexão do verbo pelar) de
"pela" (combinação da preposição com o artigo)
3. "pólo" (substantivo) de "polo" (combinação
antiga e popular de "por" e "lo")
4. "pélo" (flexão do verbo pelar), "pêlo"
(substantivo) e "pelo" (combinação da preposição com o artigo)
5. "pêra" (substantivo - fruta), "péra"
(substantivo arcaico - pedra) e "pera" (preposição arcaica)
ALFABETO
Passará a ter 26 letras, ao incorporar as letras
"k", "w" e "y"
ACENTO CIRCUNFLEXO
Não se usará mais:
1. nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo
ou do subjuntivo dos verbos "crer", "dar", "ler",
"ver" e seus derivados. A grafia correta será "creem",
"deem", "leem" e "veem"
2. em palavras terminados em hiato "oo", como
"enjôo" ou "vôo" - que se tornam "enjoo" e
"voo"
ACENTO AGUDO
Não se usará mais:
1. nos ditongos abertos "ei" e "oi" de
palavras paroxítonas, como "assembléia", "idéia", "heróica"
e "jibóia"
2. nas palavras paroxítonas, com "i" e
"u" tônicos, quando precedidos de ditongo. Exemplos: "feiúra"
e "baiúca" passam a ser grafadas "feiura" e
"baiuca"
3. nas formas verbais que têm o acento tônico na raiz, com
"u" tônico precedido de "g" ou "q" e seguido de
"e" ou "i". Com isso, algumas poucas formas de verbos, como
averigúe (averiguar), apazigúe (apaziguar) e argúem (arg(ü/u)ir), passam a ser
grafadas averigue, apazigue, arguem
GRAFIA
No português lusitano:
1. desaparecerão o "c" e o "p" de
palavras em que essas letras não são pronunciadas, como "acção",
"acto", "adopção", "óptimo" -que se tornam
"ação", "ato", "adoção" e "ótimo"
2. será eliminado o "h" de palavras como "herva" e "húmido", que serão grafadas como no Brasil -"erva" e "úmido"
- Folha de São Paulo - 20/08/2007