Um dos meus maiores e mais graves defeitos é ser uma péssima paciente. No sentido contrário ao habitual. Ao invés de começar a gemer e sair correndo em busca de um médico ao primeiro sintoma de algo, corro na direção oposta e me enfio debaixo do edredom, esperando que as coisas se resolvam sozinhas. Só vou ao médico quando não há quase mais salvação, ou seja, quando não agüento mais o desconforto ou a dor.
Foi assim com a dor de ouvido. Começou chatinha, eu ignorei. Continuou mais forte, eu usei a lista de remédios alternativos/homeopatas à disposição. Fiquei parcialmente surda e tive uma tremenda crise de labirintite onde tive a desagradável sensação de girar dentro de mim mesma em qualquer posição: de pé, deitada, sentada... mas resisti. Só quando cheguei ao ponto de não conseguir me mexer sem cair é que resolvi ir ao médico. Diagnóstico: uma severa otite no ouvido médio que me fez deixar R$150,00 na farmácia, levou 15 dias para ser vencida e da qual ainda não estou completamente recuperada.
Tenho pavor visceral de médicos. Odeio ficar doente. Sou uma paciente infernal. Daqueles que fogem da cama ao invés de repousar, que minimizam a intensidade dos sintomas, por terem mais medo do tratamento do que da doença. Aos três anos de idade, brincando com meu pai, meti a cabeça na quina da minha cama. Lembro perfeitamente do pânico do meu pai, de ter sido enrolada em um cobertorzinho azul-claro e levada à Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro onde ouvi a expressão "levar pontos" pela primeira vez.
Tentem imaginar uma menina com 3 anos de idade, sangue jorrando da testa, deitada quietinha em cima de uma maca esperando para levar os tais pontos. Pois bem, assim que o médico virou as costas, saltei da mesa como um demônio alado e sai correndo em disparada pelos corredores da Santa Casa, movida por o que posso descrever como sendo pânico absoluto. Ainda hoje, 43 anos depois, sou capaz de repassar a cena na minha memória como um filme. Lembro dos dribles que dei em vários pares de pernas, de só enxergar com o olho esquerdo porque o sangue escorria em cima do direito, do tropel das pessoas gritando atrás de mim.
Só fui pega no estacionamento, por um segurança que me agarrou pela saia do vestido, rasgando-o, e me devolveu, berrando furiosamente, para os braços de uma pobre enfermeira completamente esbaforida que cheirava a Tabú, o mesmo perfume de minha mãe. Cinco pessoas precisaram me segurar na maca para que o pobre médico desse os pontos. E ainda dei um belo chute na canela dele antes de ir embora. A cena fez parte do anedotário familiar durante anos, recontada com absoluto prazer por meu pai, outro "medicófobo" de carteirinha.
Deixo claro que tenho dois grande amigos médicos, minha mãe foi enfermeira, trabalho como tradutora em algumas especialidades médicas. Não só não tenho nada contra a profissão, como sempre me surpreendo com os avanços da medicina moderna. Só não me peçam para precisar de serviços médicos.
Contudo, a otite trouxe uma advertência séria e uma novidade desagradável na forma de uma elevadíssima pressão arterial – a médica que me atendeu levantou a hipótese da labirintite não ter sido causada pela otite mas por estresse generalizado e me encaminhou na hora para um cardiologista. Pois bem, finalmente, dei a mão à palmatória e admiti que é hora de puxar o freio de mão já que não quero deixar Jorge viúvo. Muito a contragosto admito que não sou de ferro, mas de carne e osso e preciso ser (muito) mais boazinha comigo mesma.
Em resumo, voltei CAUTELOSAMENTE à ativa, cortei a carga de trabalho pela metade, fins de semana prolongados são a nova ordem da casa, vou sumir por um mês no segundo semestre, fiz sérias alterações na minha alimentação, comecei a fazer ioga diariamente, já marquei hora na acupunturista, e estou tentando descobrir como é que saio desta enrascada, porque a vida já é curta demais como é.