10:58 - 25 pessoas na minha frente na fila da Epal, que ziguezagueia em forma de S, desenhado pelas fitas azuis presas aos suportes de metal. Estou ali porque esqueci de pagar a conta de água em dia e sou obrigada agora a pagar na sede da empresa.
Observo as pessoas. Há de tudo na fila. Duas crianças correm para todo o lado, passando por baixo das fitas e esbarrando nas pernas das pessoas. De tempos em tempos a mãe, quase no caixa, grita, assustando a todo mundo, inclusive as crianças: "Nuno! Catarina!". As crianças param por um segundo, provavelmente para acalmar a taquicardia que o berro da mãe lhes causou, e voltam a correr, imperturbáveis.
Na minha frente uma senhora idosa e bastante obesa apoia-se numa das colunas de metal que seguram as fitas azuis e, quando a fila se move, não dá os 3 passos que a colocariam mais perto do jovem à sua frente. Forma-se um hiato de, no máximo, 15 cm. É o suficiente para perturbar o senhor bigodudo e barrigudo atrás de mim, que, dentro da autoridade do seu terno azul-marinho começa a resmungar alto o suficiente para ser ouvido pela fila inteira que: "não se anda nessa bicha!"
11:05 - Conto 28 pessoas atrás de mim. 13 na minha frente. Entra uma cigana, coberta de preto da cabeça aos pés e começa uma lamúria tentando convencer alguém a pagar a sua conta. Mal consegue chegar ao segundo da fila e é enxotada por um segurança da Epal. Ouço o zumbido da fila murmurando sua aprovação. A senhora obesa à minha frente anda. Eu, ocupada em rascunhar essas linhas no meu caderninho, não sou rápida o suficiente e recebo um encontrão do afobado senhor bigodudo que, vermelho como um pimentão, pede "imensas desculpas".
Eu me esforço ao máximo para manter uma postura contemplativa em lugares assim. Como dizia o pai, espanhol, de um amigo meu: "Quem não tem cabeça, tem que ter perna". E eu estou ali, pagando o preço por ter sido desorganizada e não ter pago a conta no dia. Sempre levo um livro na bolsa e um caderno de anotações e faço o possível para não me deixar contaminar pela irritação alheia, que é algo extremamente contagioso. Basta um bufador aparecer para toda uma fila começar a ficar impaciente. Bufos são que nem bocejos. Basta ouvir um e pronto!
11:10 - Pago a conta e saio de lá o mais depressa possível. Algo me diz que não vou esquecer de pagar a conta em dia no mês que vem. :-)
Pelo menos a "bicha" - que já sei que é fila em português de Portugal - rendeu esse post, que pinta tão bem o quadro da situação que vc viveu!
Posted by: Silvia | 03/15/2004 at 14:30
Puxa, que bom a que a bicha andou rapido! Vc ficou menos de meia hora! Para observaçao é um tempo legal, mas ficar muito mais tempo, sem querer a gente bufa como os outros... Fila é fila, né? E bufo é buf! Minhas experiências na fila da "Allocation familliale" francesas - ajuda de custo para estudantes e pessoas de poucos recursos - foram uma coisa. Mas eu ficava mais de 1 hora na bicha. Velhos tempos que nao voltam mais!
Posted by: JustSarah | 03/15/2004 at 16:49
Eu acho que meia hora é um tempo mais que razoável de espera se levarmos em conta que só haviam dois guichês abertos. Se os quatro estivessem funcionando seriam - teoricamente - 15 minutos. Mas aí já era querer demais... :-)
Posted by: Maura | 03/15/2004 at 19:07
Olhe, eu esqueci-me tantas vezes, que passei a pagar por transferência bancária. Faça o mesmo, a não ser que aprecie bichas.
Posted by: caznocrat | 03/15/2004 at 23:32
Nao precisa apreciar bicha p/ sacar que essa e uma bicha produtiva. E literaria.
Bjs,
Gui.
Posted by: Guilherme | 03/16/2004 at 00:38
E ainda não experimentaste da bicha da EDP!..................... Portugal não é bem um país de bichas, mas que é o país DAS bichas, lá isso é!!! Para tudo se faz fila. Porque metade dos guichés que deviam estar ocupados a funcionar, não funcionam, não há verba para contratar mais gente, esse género de coisas. Claro, sem falar da má vontade natural do funcionário que atende...E, muitas vezes, por uma má organização de trabalho. Uma das coisas que me deixa danado é quando vou na estação de Correios: pela Lei de Sod, quase invariavelmente, a pessoa que está justo antes do meu númeor é um funcionário de um qualquer ministério, repartição, empresa, que saca de toneladas de cartas, atadas em molhos de centenas e que têm que ser vistas, quando não também pesadas, uma a uma. Nunca percebi porque os correios não criaram guichés dedicados exclusivamente a esse tipo de correspondência, proibindo a utilização dos outros guighés, que seriam dedicados apenas a quem vai lá para comprar um selo e meter uma carta...
Depois, outro factor das filas, seja onde for, são os velhinhos... Levam horas. Levam horas a explicarem o que querem. Levam horas a entenderem o que se lhes diz e, muitas vezes, levam horas a contar as suas desgraças. Pois é, a solidão tem destas coisas....
Posted by: João | 03/16/2004 at 06:52
Não experimentei a EDP e nem pretendo experimentar (risos). Uma das coisas que estranho em Portugal é a ausência de guichês especiais como no Brasil, para as pessoas da terceira idade. Não faz uma diferença muito grande na velocidade da fila, mas ajuda.
Posted by: Maura | 03/16/2004 at 08:02