Estive afastada por uma semana por causa da visita de uma amiga alemã, que me fez andar praticamente por toda Lisboa a pé e me levou até Évora. Uma quebra de rotina muito bem recebida.
Ontem, quando volto à blogosfera, uma supresa. A caixa de comentários e a de emails nunca esteve tão cheia.
Os meus mais sinceros (e atordoados!) agradecimentos ao Francisco, pelo comentário elogioso no Aviz [ver Um Desabafo Estrangeiro].
Mas, depois de ler todos os comentários e emails, acho que devo esclarecer uma coisa, que parece não ter ficado muito clara para alguns.
Eu não traduzo para o português de Portugal.
Nenhum tradutor que honre seu ofício traduz para um idioma que não seja o seu nativo. Eu faço traduções para o português do Brasil, e tenho um pequeno escritório que contrata tradutores de vários idiomas, dependendo das necessidades do projeto.
No caso do agora chamado “Projeto Gota D’Água”, já estavam selecionados três tradutores portugueses. Que é quem foram os mais prejudicados com a decisão do gerente da empresa em cancelar o projeto por “não confiar em brasileiros”. Esta redatora seria somente a gerente do projeto.
Mas o que me causou profunda consternação ao ler o material que chegou às minhas mãos, foi saber que o que aconteceu comigo parece ser fato corriqueiro para todos os prestadores de serviço em Portugal. Como pode?? Como pode um profissional liberal trabalhar deste jeito? Andando em brasas e com uma espada dependurada sobre sua cabeça o tempo todo? É certo que existem maus pagadores e caloteiros em todo o mundo, mas há que haver uma maneira de defender e ajudar as pequenas empresas a florescerem.
Minha amiga alemã, também tradutora independente, não se conformava. Na sua cabecinha germânica não fazia sentido não haver maneiras de punir e controlar os maus pagadores. Onde está a ajuda aos independentes? Perguntava ela. Eu, na condição de estrangeira no mercado português, só pude ouvir a indignação da minha amiga e acenar com a cabeça. Ia dizer o quê? Sim, sim é verdade, você tem razão, mas olha aquele azulejo que lindo! Preferi ficar quieta.
E hoje cedo, com a casa silenciosa, revendo mentalmente tudo o que aconteceu e que me foi dito/escrito nesta semana, fiquei triste porque gosto sinceramente de Portugal. Sei que a maioria dos portugueses quer ver a economia do seu pais crescer e ser mais efervescente.
Eu só não sei como fazem para se livrar desta sensação de ter um pesado cobertor de lã, molhado, sobre as costas.
Maura, quantas vezes a gente não é obrigado a dizer "sim é verdade, você tem razão, mas olha aquele azulejo que lindo!", não é? Espero que você possa encontrar logo uma solução pra esse problema que, pelo que vi nos comentários, vai além do problema do preconceito com a língua falada no Brasil (não ouso mais dizer português). Quem não paga suas contas não paga a ninguém, até mesmo a um compatriota. Aqui na Bélgica o pessoal diz que eu falo brasileiro. No início eu explicava que não, eu falava o português. Mas sabe que agora até eu mesma digo, na mairoria das vezes, que falo brasileiro? Assim fica claro pra todo mundo de que país eu venho e alguns portugueses (os que gostam de se destacar) ficam até contentes.
Posted by: Tereza | 02/15/2004 at 06:15
Olá,
A ilustração dá a exata dimensão de como você se sente. Deve ser duro morar num país estrangeiro e ter de agüentar tanta ignorância. Passei por Lisboa em outubro de 1996, fiquei dois dias apenas, achei o povo grosseiro e tudo muito estranho e provinciano. Não tenho a mínima vontade de voltar...
Abraços,
Posted by: vera | 02/15/2004 at 13:25
D. Vera a sua generalização é confrangedora. Se leu a Time de algum tempo atrás ou se fosse a uma desses bares poco recomendáveis, ficaria com a impressão de que toda a brasileira que vem para cá é ... Por favor ! Nem todo o Brasil é uma favela onde impera o tiroteio e os barões da droga, nem todo o povo português é grosseiro e provinciano. Se pensar bem tem muitos mais milhões de provincianos no Brasil.
A autora foi vítima desse mesmo preconceito que você revela.
Devemos fazer com que ele acabe de forma a que a D. Maura possa mostrar o seu bom trabalho ( se o é , pois desconheço)de forma a ser avaliado por suas qualidades próprias e não pelo sotaque ou tamanho do peito de quem o apresenta.
P.S. Uma questão: se o trabalho era para portugueses referiu que seria elaborado em português de Portugal e não em " brasileiro" ?
Posted by: fin | 02/15/2004 at 13:59
Vera desculpe, mas dois dias em uma cidade não são o suficiente para se emitir um juízo tão pesado. Eu moro aqui há quase um ano e não posso absolutamente concordar consigo, mesmo tendo enfrentado situações desagradáveis. Fin tem razão ao dizer eu enfrentei esse mesmo tipo de preconceito, causado pela generalização. É a mais pura verdade. Nem todo português é grosseiro, nem toda brasileira é puta, nem todo ucraniano é físico nuclear, nem todo espanhol é malvado, etc, etc, etc.
Posted by: Maura | 02/15/2004 at 14:45
Fin: não haviam dúvidas. Sempre esteve muito claro que Português de Portugal era o idioma de destino do projeto.
Posted by: Maura | 02/15/2004 at 14:52
Como deve saber pois deve ter alguns a trabalhar para si, actualmente existe um sério problema de emprego para os licenciados em línguas devido à redução do número de vagas no ensino. Consequentemente essas pessoas farão preços mais atractivos do que os seus, pois não possuem uma estrutura a manter e, sendo em geral jovens, não têm encargos familiares podendo assim practicar preços "suicidas".
Não será só contra o preconceito que terá que lutar, será tambem contra o excesso de oferta.
No caso relatado, pode ter a certeza que já alguém está a fazer o trabalho por metade do preço.
Se o seu projecto é bom, lute e não pense sequer que é o preconceito que a trava. Faça por melhorar o seu trabalho de forma a que não se ouça o sotaque e vencerá, com muito custo mas vencerá.
Posted by: fin | 02/15/2004 at 15:49
Maura, bom te ler novamente.
Todos nos, estrangeiros, enfrentamos um probleminha aqui outro la. Eu, jornalista, fiquei sem profissao quando emigrei do Brasil. Ainda nao encontrei meu rumo...
beijao!
Posted by: Fer | 02/15/2004 at 16:18
Maura,
Eu vim aqui porque o blog AVIZ fazia uma chamada de atenção para o seu. Também fiquei triste com o que lhe aconteceu, mas ao ler os comentários aqui não posso deixar de dar razão ao Fin (principalmente ao último comentário que ele colocou) e também não posso deixar de lhe deixar o meu abraço de solidariedade. E este abraço encerra tanto de real como é real o facto de eu ser um "velho" licenciado, actualmente desempregado e que por trabalhar como liberal se vê ultrapassado pelos tais preços suicidas que o Fin fala. Quanto ao preconceito da Vera, não merece comentário né? Você vai vencer como eu também espero que para mim os maus dias também hão-de passar.
Posted by: predatado | 02/15/2004 at 21:38
Oi Maura,
Estou de volta nas paragens (nova conexao, novo computador, entrei no século 21!) e foi chato ler este post aqui. Sinto muito por você!
Eh, encontramos muitos momentos dificeis aqui na Europa, mas ainda acho que vale a pena (pelo menos por enquanto). Nao trabalho como liberal, mas compreendo bem ao que vc se refere, pois podemos encontrar este tipo de preconceito para com os estrangeiros em muitas areas.
Uma vez dito isto, tenha garra, nao abandone, se o projeto é bom, se vc é boa no que faz, eu tenho sempre a esperança de que a coisa vai funcionar se somos honestos, bons, e acreditamos naquilo que fazemos.
No momento eu e alguns outros blogueiros do blogger.com.br estamos proibidos de "ir no Brasil", nao acessamos nenhum blog deste servidor (nemhuma leitura é possivel, nem do nosso blog). Eh uma espécie de censura, a meu ver. Vou migrar com o Croissantland para algum outro lugar! Aviso quando estiver pronta!
(Estou me sentindo um passarinho, migrando no fim do inverno... indo para um lugar mais ensolarado?? Agora por exemplo, faria com o blogger br o que aquele pinguim fez com ou outro no filminho...)
Beijo!
Posted by: JustSarah | 02/16/2004 at 13:00
Esse post me lembrou o já clássico reclamatório português de "Porque estamos atrasados", "Como a irlanda, país católico, provinciano e pequeno como nós, está na vanguarda e nós, não?", "O que é de Portugal?" e afins. Tomara que a cultura empresarial mude, e rápido! Ou então especialize-se em fazer negócios com europeus mais seguros de si! ;)
Posted by: el pupo | 02/17/2004 at 03:32
Alô Maura,
Era para lhe escrever logo a seguir ao seu desabafo, mas não tinha coisas muito bonitas para lhe dizer. Depois você reconciliou-me consigo mesma escrevendo acerca da sua paixão por Lisboa e com aquela lindíssima foto. A sua descrição condiz exactamente com os meus sentimentos quando vejo o Tejo recortado pela silhueta dos prédios. Quanto à sua "odisseia" não sei que lhe diga. Olhe Portugal é um quintal, e para mais uma quintal mesquinho. Para viver aqui só mesmo por paixão, e penso que a Maura já sente esse bicho da paixão lusitana. Agora o que eu não aguento é a desfaçatez de certos Brasileiros que xingam Portugal, como se o Brasil fosse um país super evoluído. Sabemos que não é! Em vez de lambermos as feridas em auto comiseração, é preciso viver ... e viver com garra! Só assim aguentamos. Que tal Évora? Abraço forte.
Sam
Posted by: sam | 02/17/2004 at 06:44
Maura,
No fim dessa entrevista(la pelo minuto 25), a Andrea Martin(vc conhece?) fala desse quadro. E o Hopper, nao e? Eu achei bem interessante...
Bjs e OBRIGADACO pela tua visita!
Gui.
Posted by: Guilherme | 02/17/2004 at 07:20
É o Hopper sim. Um dos meus pintores americanos favoritos.
Beijo
Posted by: Maura | 02/17/2004 at 07:38
HA! HA! HA! HA! HA! HA! HA! HA! HA!
Falei da entrevista e esqueci de colocar o "link". Maura, fala a verdade, voce as vezes acha que eu sou um "parvo" como dizem os tugas, ne?
HA! HA! HA! HA! HA! HA! HA!
http://play.rbn.com/?url=livecon/kcrw-cp/demand/tt/tt961011Andrea_Martin.ra
Posted by: Guilherme | 02/18/2004 at 14:52
Maura,
Você tem um problema adicional. Milhares de portugueses de várias áreas profissionais (incluindo muitos que agora são os decisores nas empresas) tiveram de passar pela experiência de estudar com o apoio de alguns livros universitários editados no Brasil, traduzidos do inglês. Isso acontece com frequência nos casos em que o mercado português é demasiado reduzido para justificar edições nacionais.
Em muitos desses casos a qualidade da tradução é péssima. Justificadamente ou não, essa é a imagem que fica das "traduções brasileiras" em geral. Em parte, você poderá estar a pagar pela má imagem que essas edições têm em Portugal. E talvez você ignore até que ponto essa imagem é forte.
De um ponto de vista exclusivamente empresarial, esta é uma variável do seu negócio que penso que constituirá sempre uma grande dificuldade para si e que talvez explique mais os seus problemas do que outro tipo de razões.
Posted by: Nuno Guedes | 02/20/2004 at 10:21
Cara Maura,
Eu estudei por muito livros traduzidos em portugues do Brasil e francamente nao concordo com essa ideia pre-estabelecida de que as traducoes feitas por brasileiros sao melhores ou piores. Sao, muitas delas inclusive muito boas.
EU imagino que em Portugal os brasileiros se sintam um pouco estigmatizados devido 'a vaga de imigracao recente que portugal teve de brasileiros... somos o pais na Europa que tem mais brasileiros, e somos tambem um pais pequeno. Mas olhe eu se um dia precisar de uma traducao para portugues, eu contactar-lhe-ei, prometo! Tente encontrar pessoas que sejam simpaticas e modernas, esqueca esses empresarios mesquinhos que ha', infelizmente parece-me em todo o mundo.
A minha irma e' designer free-lance e encontrou o mesmo problema , falta de pagamentos, etc... e' preciso lutar e pronto olhe... tambem lhe digo, duvido que encontre melhor em qualquer lado do mundo... o melhor e' traduzir para portugues trabalhando com empresas estrangeiras, essas que sim que tendem a dar preferencia ao portugues do Brasil
Posted by: Pedro TEles | 03/08/2004 at 11:58